sexta-feira, 27 de junho de 2008

memória de elefante

Há três anos vivia numa residência universitária, aqui no norte de Inglaterra. Era um rés do chão minado de miúdos de 17, 18 anos e as noites alternavam entre guerras de super-soakers cheias de cerveja e cozinhar bolos com hash de má qualidade. Estes eram oferecidos aos que estudavam e não bebiam, nem que isso significasse ambulâncias às duas da manhã e visitas ao tribunal académico.
As noitadas, eram portanto uma constante, nalgum dos quartos de dois metros quadrados que cada um ocupava. Lembro-me de ter cozinhado para um paquistanês, um queniano, um inglês e um cipriota. O queniano arrotou copiosa e demoradamente ao que o inglês, na sua insípida e intrínseca condição de britânico murmurou Isso não são maneiras à mesa. O cipriota riu-se, foi o meu companheiro durante o curso aqui, enquanto que o paquistanês rematou No país dele nem mesas têm.
De qualquer forma, não foi a altura mais deslumbrante da minha vida e pouco tempo depois aleijei-me. Dormi 11 noites sentado numa cadeira devido ao que, deduziram depois, ter sido uma lesão da pleura com que me contemplei a fazer exercício. As festas continuavam na mesma, óbviamente e certa noite iluminada por velas baratas, enchi a alcatifa de cera. Era uma alcatifa de um azul escuro, mas vivo e aquilo irritou-me profundamente. Mal me conseguia mexer, então saí e procurei as tipas da limpeza, explicando a situação. A que respondeu era uma senhora de uns quarenta e dois anos, bonita de cara e fisionomia um pouco massacrada pela função. Aprendi, contente, que a maneira mais fácil de absorver cera agarrada a tecidos era passá-la a ferro, por cima de um tipo qualquer de papel, que já me esqueci (edit: é papel pardo! (Obrigado Inês)). Observei-a, sentado na cadeira, aflito do tórax mas satisfeito. Foi bastante simpática.

E isto tudo para dizer que hoje ao sair do autocarro vi-a por dois segundos na rua, não me reconheceu.

3 comentários:

Lena disse...

As memórias... são como as conversas e as cerejas... Curioso como quando algo as despoleta, elas surgem multiplicando-se e fluindo em catadupa...gostei do conteúdo e da forma, continua :)))

Lucia disse...

A vida é feita de segundos e de pessoas que não nos reconhecem.

LR disse...

Sempre tive razão... :D
e o resto é conversa!
++++!!!!